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Artigo – Prosecco: variedade ou indicação geográfica?

Prosecco: variedade ou indicação geográfica?

por Kelly Lissandra Bruch

 

No último dia 26 de junho de 2015, o Consorzio di tutela Prosecco Doc foi protagonista de um grande feito: dar visibilidade mundial ao vinho espumante brasileiro produzido com a variedade prosecco.

Isso por que, após a Vinícola Garibaldi ter ganho o prêmio país (medalha de ouro e melhor brasileiro) com o espumante prosecco, no concurso Citadelles du Vin, na França, o referido Consorzio utilizou todos os meios para impedir que este produto fosse exposto na Vinexpo em Bordeaux, França. E conseguiu. Mas também conseguiu uma mídia espontânea mundial chamando a atenção para este vinho espumante brasileiro[1].

Além das comparações, a pergunta que fica é: pode-se ou não utilizar a palavra prosecco no rótulo?

Ao entrar na União Europeia, os Croatas[2] tiveram o mesmo problema, quando o governo italiano tentou impedi-los de utilizar a milenar expressão Prošek para um vinho branco adocicado feito de uvas passas, produzidos na região da Dalmácia, costa leste da Croácia, desde 305 d.C., quando esta área ainda pertencia ao Império Romano.

Todo isso porque, a partir de 01 de agosto de 2009, a União Europeia passou a reconhecer Prosecco como uma Denominação de Origem Protegida[3]. O que se consolida com a alteração de toda a legislação da União Europeia por meio do Regulamento n. 1166/2009, de 30 de novembro[4]. Toda a legislação? Pois é, segundo dados obtidos junto ao site oficial do bloco regional[5], pelo menos desde 1979 há registros referentes à organização do mercado vitivinícola mencionado prosecco como uma variedade para produção de vinhos espumantes aromáticos [6].

Desta forma, subito, prosecco passa a se chamar glera para os europeus, os quais desejam que isso ocorram instantaneamente da mesma forma para o mundo todo. Mas a própria UE já reconhecera prosecco como variedade.

Inclusive, ao analisar a “Lista internacional de variedades de videiras e seus sinônimos”, publicada pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho, edição de 2013[7], na página 136, encontram-se seis ocorrências de Prosecco, contendo sinônimos tais como Proseco, Prošek, Teran bijeli e Glera. Se a OIV a reconhece como variedade, por que o Brasil não a reconheceria?

E não se trata de algo recente, pois a Portaria do Ministério da Agricultura n. 1012, de 17 de novembro de 1978, alterada pela Portaria n. 270, de 17 de dezembro de 1988, ambas vigentes, reconhecem a variedade prosecco como uma variedade Branca do Grupo II para vitiviníferas superiores.

Além disso, o Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio – TRIPS, firmado pelo Brasil perante a Organização Mundial do Comércio e internalizado por meio do Decreto Presidencial n. 1355/1994, ao regulamentar as Indicações Geográficas, determina em seu art. 24, item 6, que:

Nada do previsto nesta Seção obrigará um Membro a aplicar suas disposições a uma indicação geográfica de qualquer outro Membro relativa a produtos de viticultura para os quais a indicação relevante seja igual ao nome habitual para uma variedade de uva existente no território daquele Membro na data da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Ou seja, não há nenhuma obrigação legal que imponha aos brasileiros o dever de se abster de utilizar a denominação da variedade prosecco em seus vinhos espumantes em seu território nacional, ou de reconhecer esta indicação geográfica no Brasil.

A Austrália, em 2013, negou o reconhecimento de prosecco em seu território[8]. Portanto, também para este país se pode comercializar livremente o vinho espumante brasileiro da variedade prosecco.

E com relação ao concurso, o que será que ocorreu? Aquilo que todos já sabem: nosso espumante é um dos melhores do mundo! Como ele entrou na Europa? Como milhares de produtos entram em todos os países todos os dias: pela alfândega. E ele não estava na França para ser comercializado em uma gôndola de supermercado, estava em uma exposição de vinhos e espumantes – a Vinexpo.

Mas, o que incomodou mesmo está refletido na frase utilizada por alguns periódicos italianos: “All’Expo dei vini in Francia vince il Prosecco… brasiliano”; “Premio al Prosecco Brasiliano”. Sim, venceu um prosecco, mas que não era italiano.

Esclarecimentos?

No Brasil pode-se utilizar a variedade prosecco. Não há qualquer lei, tratado, ação judicial ou força diplomática que impeça este direito adquirido desde que os italianos exportaram para o Brasil as primeiras mudas de videira da varidade prosecco. Deviam ter pensado antes, ou vendido como glera.

E para exportar? A não ser que o objetivo seja chamar a atenção, é importante observar a legislação do país ou bloco regional de destino, pois contrariá-la pode resultar na retenção, destruição ou recusa da entrada da mercadoria – o que pode gerar um belo prejuízo.

Na dúvida pergunte!

No mais, um brinde ao Vinho Espumante Brasileiro feito de uvas prosecco, chardonnay, pinot noir, riesling, moscatel, malvasia, e tantas outras mais!

Notas:

[1] http://tribunatreviso.gelocal.it/treviso/cronaca/2015/06/26/news/prosecco-carioca-all-expo-francese-ritirate-le-bottiglie-1.11679422?refresh_ce e http://www.mark-up.it/italian-sounding-sventato-un-prosecco-brasiliano-a-vinexpo-2015/

[2] https://winesofcroatia.wordpress.com/2013/08/26/are-you-pro-prosek/ ; http://www.independent.co.uk/news/world/europe/gripes-about-grapes-as-eu-says-croatian-prosek-wine-sounds-too-much-like-italian-prosecco-8728448.html ; http://winewitandwisdomswe.com/2013/05/07/protection-for-prosek/

[3] http://ec.europa.eu/agriculture/markets/wine/e-bacchus/index.cfm?event=pdfEccgi&language=EN&eccgiId=7989

[4] Sobre este tema, já foi publicado o seguinte artigo: BRUCH, K. L. Prosecco: posso usar essa denominação? A Vindima – O Jornal da Vitivinicultura Brasileira, Editora Século Novo Ltda. – Flores da Cunha – RS – Brasil, ano III, n. 27, p. 11, fev/2011.

 [5] http://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt

[6] Reg. (CEE) n. 358/79; Reg. (CEE) n. 2383/79; Reg. (CEE) N? 3800/81; Reg. (CEE) N? 3898/91; Reg. (CEE) n. 2332/92; Reg. (CE) n. 1362/94; (CE) n. 1622/2000; Reg. (CE) n. 1427/2004 Reg. (CE) n. 423/2008, Anexo III, B “Em derrogação da alínea a) do ponto K.10 do anexo VI, um veqprd do tipo aromático pode ser obtido mediante a utilização, para a constituição do vinho de base, de vinhos provenientes de uvas da casta Prosecco colhidas nas regiões determinadas com denominação de origem «Conegliano-Valdobbiadene» e «Montello e Colli Asolani».”; Reg. (CE) n. 606/2009, Anexo II, item 9: No que se refere aos vinhos espumantes de qualidade aromáticos com denominação de origem protegida: a)  Estes vinhos só podem ser obtidos se se utilizarem na constituição do vinho de base exclusivamente mostos de uvas ou mostos de uvas parcialmente fermentados provenientes de castas constantes da lista do apêndice 1, desde que essas castas sejam reconhecidas como aptas para a produção de vinhos espumantes de qualidade com deno­ minação de origem protegida na região que dá o nome a esses vinhos. Em derrogação do que precede, podem produzir-se vinhos espumantes de qualidade aromáticos com denominação de origem protegida utilizando na constituição do vinho de base vinhos obtidos de uvas da casta «Prosecco» colhidas nas regiões com denominação de origem «Conegliano-Valdobbiadene» ou «Montello e Colli Asolani»;

[7] http://www.oiv.int/oiv/info/enplubicationoiv#list

[8] http://www.corrs.com.au/publications/ip-preview/a-gi-or-just-a-grape-prosecco-refused-recognition-as-a-gi-in-australia/#Form_Form; http://www.austlii.edu.au/au/cases/cth/ATMOGI/2013/1.html ; https://www.wineaustralia.com/en/~/media/0000Industry%20Site/Documents/News%20and%20Media/News/Notice%20of%20decision%20by%20TM%20registrar%20-%20PROSECCO%20-%205%20Feb%202014.ashx;

Kelly Lissandra Bruch - Pós-Doutora em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS. Doutora em Direito pela Université Rennes I, France em co-tutela com a UFRGS. Mestre em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS. Especialista em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Departamento de Direito Econômico e do Trabalho, da Faculdade de Direito da UFRGS. Professora do Programa de Mestrado de Biotecnologia e Gestão Vitivinícola da Universidade de Caxias do Sul. Professora de Direito da CESUCA. Consultora Jurídica do Instituto Brasileiro do Vinho.Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS, Expert indicada pelo Governo Brasileiro junto à Organização Internacional da Uva e do Vinho OIV. Associada da Associação Internacional de Juristas do Vinho.
Kelly Lissandra Bruch – Pós-Doutora em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS. Doutora em Direito pela Université Rennes I, France em co-tutela com a UFRGS. Mestre em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS. Especialista em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Departamento de Direito Econômico e do Trabalho, da Faculdade de Direito da UFRGS. Professora do Programa de Mestrado de Biotecnologia e Gestão Vitivinícola da Universidade de Caxias do Sul. Professora de Direito da CESUCA. Consultora Jurídica do Instituto Brasileiro do Vinho.Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS, Expert indicada pelo Governo Brasileiro junto à Organização Internacional da Uva e do Vinho OIV. Associada da Associação Internacional de Juristas do Vinho.

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